quinta-feira, 19 de março de 2015

O que foi a Ostpolitik do Vaticano? Em tempos de diálogo entre Cuba e Vaticano, é bom lembrar o que foi a Ostpolitik.

Willy Brandt com Richard Nixon
Ostpolitik (na língua alemã significa Política do leste) é um termo usado para descrever os esforços realizados por Willy Brandt, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Chanceler da República Federal da Alemanha para normalizar as relações com as nações da Europa de Leste, incluindo a República Democrática Alemã. A origem do termo refere-se à decisão da Alemanha de focalizar interesses no leste europeu e não somente no oeste, como tinha feito até aí Konrad Adenauer, o primeiro chanceler da República Federal da Alemanha.

Ostpolitik do Vaticano

Também se costuma falar de uma Ostpolitik da Santa Sé, desenvolvida durante os pontificados de João XXIII e Paulo VI, impulsionada pelo Cardeal Agostino Casaroli.

A ostpolitik do Vaticano recebeu o seu grande impulso com a publicação da encíclica Pacem in Terris, em 1963, pelo Papa João XXIII. Pela primeira vez, esta encíclica defende que a paz só pode ser alcançada através da colaboração de todas as "pessoas de boa vontade", incluindo aquelas que defendem "ideologias erradas" (como o comunismo). Devido a este apelo à colaboração e à solidariedade, ela acabou por incitar a Igreja Católica a começar a negociação com os governos comunistas, para que estes possam garantir o bem-estar dos seus cidadãos e habitantes católicos 1 .

Esta política diplomática (a ostpolitik) foi continuada pelo Papa Paulo VI, apesar de a Igreja ainda continuar a condenar o comunismo como uma ideologia errada e maléfica 1 . Devido a esta política de aproximação, a vida dos católicos na Polónia, na Hungria e na Roménia (que eram, na altura, países-satélite da União Soviética) melhorou.


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A Ostpolitik de Paulo VI 

A Ostpolitik de Paulo VI (que temia não estar conduzindo uma "política de glória") se baseou na premissa de que a divisão da Europa na Guerra Fria permaneceria na paisagem internacional durante décadas, se não séculos; que a Igreja tinha que "salvar o salvável" e fazer os acordos que pudesse com os governos comunistas; e que a crítica católica às violações dos direitos humanos por parte dos regimes comunistas deveria ser silenciada. Os resultados dessa estratégia incluem a destruição da Igreja na Hungria, cuja liderança se tornou subsidiária do partido comunista húngaro; a penetração de agências de inteligência do Pacto de Varsóvia no Vaticano (em benefício dos negociadores comunistas); e o enfraquecimento de líderes católicos na Polônia e na ex-Tchecoslováquia.
 
A perspectiva que João Paulo II tinha da Europa Central e do Leste, por sua vez, baseava-se em premissas diferentes: que a divisão da Europa do pós-guerra era imoral e historicamente artificial; que as violações comunistas dos direitos humanos básicos tinham que ser chamadas pelo nome; e que as "nações-cativas" poderiam encontrar ferramentas de resistência ao comunismo se resgatassem a verdade religiosa, moral e cultural sobre si mesmas e vivessem aquelas verdades sem medo. João Paulo II, astutamente, deixou a diplomacia Casaroli-Silvestrini continuar. Mas, por trás dessa fachada inteligente, o papa polonês liderou uma campanha moral de resistência ao comunismo, que triunfou na Revolução de 1989. É um evento histórico certamente complexo, mas, a propósito dele, a Ostpolitik vaticana da década de 1970 não pode exigir nenhum crédito sério.

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A "Resistência" à Ostpolitik vaticana
 
A Ostpolitik vaticana teve numerosos críticos em todo o mundo, a começar por aqueles que deveriam ter sido os seus beneficiários e que declararam serem, pelo contrário, as suas vítimas: os cristãos do Leste europeu. Mas a manifestação de discordância pública mais relevante no campo católico foi, indiscutivelmente, a histórica Declaração de Resistência publicada em 1974 em 21 jornais de diversos países, pelas TFPs então existentes nos continentes europeu e americano. O autor e primeiro signatário da histórica declaração foi Plínio Corrêa de Oliveira.

Em 1972, a "distensão" tinha recebido um extraordinário impulso com as viagens de Nixon à China e à Rússia (78). O objetivo da política desenvolvida em escala mundial pelo presidente americano e pelo seu Secretário de Estado Henry Kissinger era idêntico ao da política que Willy Brandt, chanceler socialista da Alemanha, desenvolvia em escala europeia: a ideia de uma "convergência" entre o bloco ocidental e o comunista. O único resultado desta política de colaboração, fundada sobre o eixo privilegiado Washington-Moscovo, foi o de adiar por vinte anos, graças às ajudas económicas, o inevitável desmoronamento do império comunista, enquanto a agressividade soviética continuava a crescer na mesma proporção em que aumentavam os subsídios mandados pelo Ocidente.

Segundo Plínio Corrêa de Oliveira, "pode-se afirmar sem exagero o seguinte: desde a bolchevização da Rússia, o comunismo não teve vitória igual. Até mesmo as conquistas catastróficas que a moleza (chamemo-la assim) de Roosevelt proporcionara ao comunismo em Yalta, não iguala em nocividade os resultados difusos mas profundos da `quebra das barreiras ideológicas' operada pela dupla Nixon-Kissinger" ("A crise louca", in Folha de S. Paulo, 18 de Agosto de 1974).
 
No campo eclesiástico, Mons. Agostinho Casaroli (79), "Ministro dos Negócios Estrangeiros" de Paulo VI, adoptava uma política de entendimento com o comunismo análoga à de Brandt e de Kissinger. Uma das mais ilustres vítimas da Ostpolitik vaticana foi o Cardeal Mindszenty, Primaz da Hungria e herói da resistência anticomunista que, em 1974, foi destituído da Arquidiocese de Esztergom por Paulo VI e exilado em Roma, a fim de facilitar a aproximação entre a Santa Sé e o Governo húngaro (80).

Nascido perto de Piacenza em 1914, Agostino Casaroli foi ordenado Sacerdote em 1937, e em 1940 entrou para o serviço da Secretaria de Estado, onde desenvolveu toda a sua carreira eclesiástica. Em 1963 recebeu de João XXIII a incumbência de viajar a Budapeste e a Praga para explorar a possibilidade de retomar contactos com aqueles governos. Iniciou assim uma longa série de viagens e encontros nos países do Leste comunista que o levou a realizar, sobretudo no pontificado de Paulo VI, a política vaticana conhecida pelo nome de Ostpolitik. João Paulo II nomeou-o em 1979 Cardeal, prefeito do Conselho para os Negócios Públicos da Igreja e seu Secretário de Estado, cargo que ocupou até ao dia 1 de Dezembro de 1990. Cfr. Alceste SANTINI, "Casaroli, l'uomo del dialogo", Edizioni San Paolo, Cinisello Balsamo, 1993.

Do Cardeal József MINDSZENTY cfr. as "Memórias", tr. it. Rusconi, Milão, 1975. Quando em 5 de Fevereiro de 1974, se tornou de domínio público a notícia de sua destituição, o Card. Mindszenty lançou um comunicado em que declarava nunca ter renunciado à seu cargo de Arcebispo nem à sua dignidade de Primaz da Hungria, sublinhando que "a decisão foi tomada unicamente pela Santa Sé" (ibid., p. 372).
 
"No panorama de devastação geral, –escreveu Plínio Corrêa de Oliveira– o Cardeal Mindszenty tem-se erguido como o grande inconformado, o criador do grande caso internacional, de uma recusa inquebrantável, que salva a honra da Igreja e do género humano. O seu exemplo –com o prestígio da púrpura romana intacta nos ombros robustos de pastor valente e abnegado– móstrou aos católicos que não lhes é lícito acompanhar as multidões que vão dobrando o joelho ante Belial" (81).
(81) Plínio CORRÊA DE OLIVEIRA, "Ao grande criador do caso imenso", in Folha de S. Paulo, 31 de Março de 1974. Cfr. também id., "A glória, a alegria, a honra", in Folha de S. Paulo, 10 de Fevereiro de 1974; "Ternuras que arrancariam lágrimas", in Folha de S. Paulo, 13 de Outubro de 1974; "Conforme queria Budapeste", in Folha de S. Paulo, 20 de Outubro de 1974.
 

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