sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Socialismo e retrocesso da civilização


Nas páginas 33—35 do meu livro Socialismo, cálculo econômico e função empresarial, faço uma análise do processo empreendedorial e explico como a divisão do conhecimento prático empreendedorial se aprofunda "verticalmente" e se expande "horizontalmente", processo esse que permite (e ao mesmo tempo requer) um aumento da população, que estimula a prosperidade e o bem-estar geral, e que ocasiona o progresso da civilização.  Como indicado naquelas páginas, este processo de "verticalização" e "horizontalização" do conhecimento se baseia
1. na especialização da criatividade empreendedorial em campos cada vez mais específicos, com cada vez mais profundidade e detalhes;
2. no reconhecimento dos direitos de propriedade do empreendedor criativo, o que significa que ele tem o direito de manter para si os frutos de sua atividade criativa em cada uma destas áreas;
3. na troca livre e voluntária destes frutos gerados pela especialização de cada ser humano, uma troca que sempre será mutuamente benéfica para todos aqueles que participam do processo de mercado; e
4. no crescimento contínuo da população humana, o que torna possível "ocupar" e cultivar empreendedorialmente um crescente número de novas áreas de conhecimento criativo empreendedorial, o que enriquece a todos.

De acordo com esta análise, qualquer coisa que garanta a propriedade privada daquilo que cada indivíduo cria e contribui para o processo de produção, que defenda a posse pacífica daquilo que cada indivíduo cria ou descobre, e que facilite (ou não impeça) o processo de trocas voluntárias (os quais, por definição, sempre são mutuamente satisfatórios no sentido de que representam uma melhoria da situação de cada pessoa) irá gerar prosperidade, aumentar a população, e aprofundar o avanço quantitativo e qualitativo da civilização.

Da mesma forma, qualquer ataque à posse pacífica de bens e aos direitos de propriedade sobre estes bens; qualquer manipulação coerciva do livre processo de trocas voluntárias; em suma, qualquer intervenção estatal em uma economia de livre mercado sempre irá gerar efeitos indesejados, suprimir a iniciativa individual, corromper a moral e os hábitos de comportamento responsável, tornar o público imaturo, infantilizado e irresponsável, acelerar o declínio do tecido social, consumir a riqueza acumulada, e bloquear a expansão da população humana e o progresso da civilização, aumentando a pobreza geral.

Como ilustração, consideremos o processo de declínio e desaparecimento da clássica civilização romana.  Embora suas características mais proeminentes possam ser facilmente extrapoladas para várias circunstâncias do nosso mundo contemporâneo, infelizmente a maioria das pessoas hoje já se esqueceu, ou ignora por completo, essa importante lição histórica; e, como resultado, elas são incapazes de ver os graves riscos que hoje nossa civilização enfrenta.  Com efeito, como explico em detalhes em minhas aulas (e resumo em um vídeo gravado durante uma delas, sobre a queda do Império Romano [La Caída del Imperio Romano], o qual, para minha surpresa, já foi visto na internet por mais de 400 mil pessoas), e de acordo com estudos anteriores feitos por autores como Rostovtzeff (The Social and Economic History of the Roman Empire) e Mises (Ação Humana), "o que provocou a queda do império [romano] e a ruína de sua civilização não foram as invasões bárbaras, mas sim a desintegração dessa interdependência econômica".

Para ser mais exato, Roma foi vítima de um retrocesso na especialização e na divisão do processo comercial, uma vez que as autoridades políticas sistematicamente obstruíam ou impediam trocas voluntárias a preços de livre mercado.  E faziam isso em meio a um aumento descontrolado nos subsídios, nos gastos públicos ("panem et circenses") e nos controles estatais sobre todos os preços de mercado.  É fácil entender a lógica por trás destes eventos.

Começando especialmente no século III, a compra de votos e de popularidade levou à disseminação da distribuição de subsídios para a população adquirir alimentos ("panem").  Tais subsídios eram financiados com dinheiro de impostos, política essa conhecida como "annona".  Além destes subsídios, havia também uma contínua organização dos mais esbanjadores e opulentos jogos públicos para divertir a população ("circenses").  Em decorrência deste arranjo, não apenas os agricultores italianos ficaram arruinados, como também a população de Roma não parou de crescer até chegar a quase 1 milhão de habitantes.  (Por que trabalhar exaustivamente em sua terra se os seus produtos não poderão ser vendidos a preços lucrativos, dado que o estado os distribui praticamente de graça em Roma?).

Sendo assim, a medida mais racional para os agricultores italianos seria deixar o campo e se mudar para a cidade e viver do assistencialismo.  Mas tal política tem seus inevitáveis custos, e tais custos não poderiam ser cobertos eternamente pelo dinheiro de impostos.  Consequentemente, a solução criada pelo governo para continuar sua política foi a inflação — mais especificamente, a redução do conteúdo metálico das moedas.  A consequência foi inescapável: uma queda incontrolável no poder de compra do dinheiro, isto é, um aumento descontrolado dos preços, ao qual as autoridades responderam decretando que os preços fossem congelados aos seus valores anteriores, além de imporem sentenças extremamente rigorosas aos "infratores".

A imposição deste controle de preços levou a desabastecimentos e a uma ampla escassez (uma vez que, aos baixos preços estipulados pelo governo, não mais era lucrativo produzir ou buscar soluções criativas para os problemas da escassez; ao mesmo tempo, o consumismo e o desperdício estavam sendo artificialmente estimulados).  As cidades rapidamente começaram a ficar sem estoques, e a população começou a voltar para o campo e a viver em autarquia em condições muito mais penosas, em regime de mera subsistência, um regime que gerou as bases para o que mais tarde viria a ser o feudalismo.

Este processo de retrocesso da civilização (ou descivilização), o qual surgiu da ideologia demagógica socialista — típica do estado assistencialista e do intervencionismo estatal na economia —, pode ser ilustrada de uma maneira graficamente simples pela inversão da explicação do gráfico da página 34 do meu livro supracitado, Socialismo, cálculo econômico e função empresarial, no qual descrevo o processo por meio do qual a divisão do trabalho (ou melhor, a especialização do conhecimento) se aprofunda e consequentemente a civilização avança.

Comecemos pelo estágio representado pela linha superior do gráfico (T1), o qual reflete o nível avançado de desenvolvimento espontaneamente alcançado pelo processo de mercado romano no início do século I, o qual, como demonstrou o estudioso Peter Temin ("The Economy of the Early Roman Empire" Journal of Economic Perspectives, vol. 20, no. 1, winter 2006, pp. 133?151), era caracterizado por um notável grau de respeito legal e institucional pela propriedade privada (o direito romano), e pela especialização e difusão das trocas voluntárias em todos os setores e mercados (particularmente no mercado de trabalho, uma vez que, como Temin demonstrou, o efeito da escravidão foi muito mais modesto do que sempre se acreditou até hoje).  Como resultado, a economia romana daquele período alcançou um nível de prosperidade, desenvolvimento econômico, urbanização e cultura que só voltaria a ser visto no mundo em meados do século XVIII.

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Fonte: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1408

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