Óscar Naranjo Trujillo chefiou durante cinco anos a polícia colombiana. Sob seu comando, durante as presidências de Uribe e de Calderón, foram obtidos grandes avanços na construção da segurança interna - Bogotá tornou-se uma cidade invejavelmente segura - e no enfraquecimento das Farc, às quais impôs derrotas e perdas a que não estavam habituadas. Suas estratégias para reverter o quadro de insegurança de seu país foram repetidas vezes citadas no Brasil como modelo a ser adotado aqui. Em maio deste ano, tendo conquistado sua quarta estrela como general e completado 35 anos de carreira, ele renunciou ao cargo, passou para a reserva e foi contratado como assessor de segurança pelo presidente do México, Peña Nieto.
No dia 29 do mês passado ele concedeu uma longa entrevista ao jornal El País. Em certo ponto, indagado sobre quais as primeiras providências a serem adotadas para diminuir a violência, respondeu: "... la primera es que las políticas de seguridad deben ser de Estado y no de partido, para que se genere un consenso nacional". Oba!, exclamei, ao ler essa pequena frase, quase um detalhe no conjunto da matéria. Olha aí alguém, ainda que fora do Brasil, reconhecendo que o partido e o Estado são entes distintos. Vencida essa etapa, fica mais fácil perceber que o Estado, por ser permanente e de todos, não pode ter partido. Partido quem tem é o governo. Por isso, assume com prazo de validade definido.
Há mais de 30 anos venho apontando o desrespeito a essa regra como um dos cânceres que enfermam nossas instituições. E poucas coisas têm ficado tão evidentes nas longas sessões de julgamento dos réus do mensalão (AP-470) quanto a relação entre essa fusão e as tramoias em que os acusados se envolveram. Como em nosso país, quem governa, eleito por um partido, também chefia o Estado, resulta inevitável que o aparelho estatal passe a ser visto como parte do estoque de bens da legenda governante e seus aliados. É por esse robusto liame, por exemplo, que as universidades federais (patrimônio de toda a nação, independentemente de raça, credo, sexo, etc.) passam a ser usadas como instrumento das estratégias, gostos e ideologia da sigla de quem arrebatou a faixa presidencial. É por aí, também, que o partido começa a estender olhares voluptuosos sobre os recursos das muitas tesourarias que controla. E atrás do olho vai a mão, grande e cobiçosa, buscar meios para seus projetos de poder.
Essa é uma forma de privatização que a esquerda não vê nem que lhe seja pingada nos olhos como colírio: a privatização do Estado pelo partido. Embora os crimes de prevaricação não sejam atributo específico de legenda alguma, cravar fronteiras rígidas entre o partido e o Estado, barrando seu aparelhamento, não serve a quem tem pretensões totalizantes. É aí que, com mensalão ou sem mensalão, com condenação ou sem condenação, a nossa vaca vai sendo levada para onde você sabe. O assunto de que trato aqui não é um detalhe. Aquilo que Óscar Naranjo constatou como necessário ao México na questão da segurança não é diferente do que se requer para tudo na América Ibérica, submetida a uma coletiva irracionalidade institucional que não leva jeito para produzir democracias de qualidade razoável, conduzidas com respeito ao patrimônio público.
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* Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Fonte: Puggina
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