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terça-feira, 23 de agosto de 2016
Magistrados criticam urgência a projeto sobre abuso de autoridade
Para os participantes de audiência pública promovida nesta terça-feira (23) pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), o Projeto de Lei do Senado (PLS) 280/2016, que trata do abuso de autoridade, não deve tramitar com urgência na Casa. Magistrados e procuradores acreditam que a tramitação rápida do projeto tem o intuito de enfraquecer o Poder Judiciário e o Ministério Público.
O projeto tramita desde o dia 5 de julho na Comissão da Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação da Constituição (CECR) e, no dia 12 do mesmo mês, recebeu relatório favorável do senador Romero Jucá (PMDB-RR). De acordo com o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Carvalho Veloso, a Lei do Abuso de Autoridade (Lei 4.898/1965) abarca praticamente todos os tipos penais contidos no PLS 280/2016. Ele afirmou que é válida a discussão para melhorar ou atualizar a lei vigente, mas que não é necessária a urgência.
— Não há necessidade de se aprovar esse projeto de lei sem que haja uma ampla discussão — disse Veloso.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Ângelo Fabiano Farias da Costa, ressaltou que, no momento em que as investigações da corrupção avançam, o projeto pode trazer prejuízos à atuação dos órgãos de controle, como o Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário.
— O projeto não é de todo ruim, na nossa concepção, mas há dispositivos que merecem uma reflexão mais aprofundada — afirmou.
Represália
Segundo Norma Angélica Reis Cardoso Cavalcanti, da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), se antes o Ministério Público lutou pela manutenção de seu poder investigatório, agora está lutando para que sua atuação não seja criminalizada.
— Não somos contra o projeto. A lei é uma lei antiga. Mas eu concordo que o debate tem de ser ampliado — afirmou.
Para o juiz Guilherme Guimarães Feliciano, da Associação dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a urgência do PLS 280/2016 “soa quase como uma represália” dos membros do Parlamento às ações da Operação Lava Jato.
— A ênfase, a própria urgência, essa preocupação em torno do projeto para coibir abusos de autoridades judiciárias, ministeriais, policiais, etc, é uma preocupação que vem a reboque dessas operações, o que não nos parece adequado — disse.
Estiveram presentes à audiência os senadores Paulo Paim (PT-RS), Ana Amélia (PP-RS) e Regina Sousa (PT-PI). Ana Amélia ressaltou que o projeto está sendo “bombardeado” nas redes sociais. Ela disse que é importante examinar a lei, mas que não é o momento apropriado para isso.
— As leis precisam ter senso de oportunidade. Estamos agora diante de Lava Jato, estamos diante de impeachment, estamos diante de vários enfrentamentos, que, se você colocar mais um, pode criar um ambiente de artificial crise institucional. Então não há necessidade para fazer isso agora — afirmou.
Regina Sousa disse concordar que algumas coisas devem ser melhoradas na lei, como o caso da condução coercitiva. A senadora manifestou não ter concordado com a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Operação Aletheia, mas observou que o período é impróprio para se discutir o abuso de autoridade.
O presidente da CDH, Paulo Paim, afirmou que irá solicitar uma comissão geral para debater o projeto no Senado em outubro.
Liberdade provisória
Os participantes da audiência criticaram vários pontos do projeto, que, segundo eles, ferem a Constituição e a independência dos Poderes. Segundo os convidados, a descrição dos crimes está muito ampla e genérica, o que pode prejudicar os órgãos de controle e fiscalização.
Um dos dispositivos alvo de críticas foi o artigo 9º, inciso 2º, que considera crime deixar de conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, quando assim admitir a lei. Roberto Veloso explicou que cotidianamente juízes deixam de conceder liberdade provisória, e, posteriormente, decisões de tribunais superiores acatam pedido de habeas corpus dos presos. Dessa forma, pelo projeto, esses juízes teriam cometido um crime.
— Esse tipo de dispositivo tolhe a independência do juiz em relação à interpretação da lei. O juiz pode entender, analisando o caso concreto e em relação à lei, que não é o caso de liberdade provisória, mas o tribunal, reanalisando, pode conceder — disse.
Condução Coercitiva
Outro ponto criticado no projeto foi o artigo 13, que considera crime constranger alguém, sob ameaça de prisão, a depor sobre fatos que possam incriminá-lo. Segundo Veloso, isso pode decretar o fim da condução coercitiva, que é utilizada para que a pessoa não destrua provas durante o processo da operação investigativa.
— A condução coercitiva é justamente para que a pessoa venha prestar depoimento, mas é lógico que ele só vai prestar depoimento se ele assim o desejar, porque a Constituição lhe assegura o direito de ficar calado. Então esse artigo está objetivando o fim da condução coercitiva. E isso, para nós, é algo muito grave — observou.
Reprodução de diálogos
Os convidados também manifestaram preocupação com o artigo 28 do projeto, que criminaliza o fato de reproduzir ou inserir, nos autos da investigação ou do processo criminal, diálogo do investigado com pessoa que, em razão de função, ministério, ou profissão deva guardar sigilo.
— Uma pessoa que esteja sendo investigada por um ato de corrupção e entre em contato com um parlamentar ou presidente da República e trata sobre a corrupção, esse diálogo não poderá ser inserido nos autos da investigação ou do processo criminal. Ou seja, são alguns exemplos desse projeto que causam perplexidade e que precisam ser excluídos — afirmou Veloso.
Ministério Público
Segundo Norma Cavalcanti, o artigo 30 do PLS 280/2016, que considera crime dar início à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada, é inconstitucional. Ela explicou que a Constituição determina que o Ministério Público tem independência funcional e o dever de propor ação quando recebe inquérito policial com indícios de autoria e materialidade provada.
— Não quer dizer que o dever de denunciar é uma condenação. O juiz vai examinar, vai passar pelo contraditório, e, se por acaso o juiz entender que o réu deve ser absolvido, o Ministério Público, que está cumprindo o seu papel constitucional, será punido — disse.
Fonte: Agência Senado
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